Em virtude dos acontecimentos gerados pela pandemia da SARS-CoV-2, observa-se que, entre muitos conceitos, regras, legislações, normativas e outras citações que podemos relatar aqui, a soberania clínica dos médicos tem sido questionada.


De acordo com o Código de Ética Médica – Resolução CFM nº 2217/2018 – Capítulo I – Princípios Fundamentais, no item VII: “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”.


Desta forma, a soberania clínica do médico deve ser preservada, já que se trata do profissional responsável pela anamnese do paciente e é o mais bem capacitado para tomar a decisão de qual tratamento, prescrição e conduta deve ser adotada.


Sobre a autonomia do paciente, é importante destacar os artigos 31 e 32 do Capítulo V, Código de Ética Médica, senão veja:


Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares - É vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente


Há, também, o parecer nº 04/2020, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelece critérios e condições para a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado da covid-19. Após analisar extensa literatura científica, a autarquia reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença.


Porém, diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia da covid-19, o CFM entende ser possível a prescrição desses medicamentos em três situações específicas. Em todas elas, o princípio que deve, obrigatoriamente, nortear o tratamento do paciente, é o da autonomia do médico, assim como a valorização da relação médico-paciente, “sendo esta a mais próxima possível, com o objetivo de oferecer ao paciente o melhor tratamento médico disponível no momento”.


Ou seja, em todos os contextos, a prescrição das drogas caberá ao médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente. O documento do CFM ressalta que o profissional fica obrigado a explicar ao doente que não existe, até o momento, nenhum trabalho científico, com ensaio clínico adequado, feito por pesquisadores reconhecidos e publicado em revistas científicas de alto nível que comprove qualquer benefício do uso das drogas para o tratamento da covid-19. Ele também deverá detalhar os efeitos colaterais possíveis, obtendo o Consentimento Livre e Esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso.


O princípio da autonomia requer que os indivíduos capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais sejam tratados com respeito pela sua capacidade de decisão. As pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. E cabe ao médico informar aos pacientes e/ou seus responsáveis, em caso de o paciente não poder tomar a decisão em conjunto com o profissional da saúde.


Portanto, a soberania clínica do médico, aliada à autonomia da vontade do paciente, neste momento de pandemia, deve ser respeitada, pois a sua conduta de tratamento precoce com o uso de determinadas substâncias, equipamentos ou protocolos de sua escolha, devido a situação emergencial, é quem vai trazer ao paciente acometido da covid-19 a possibilidade de regressão do quadro.


Diante de todos os argumentos expostos, a Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética), que tem como dever estatutário “pronunciar-se quando julgar adequado sobre assuntos jurídicos que digam respeito ao exercício da atividade médica, odontológica e da saúde”, declara total apoio aos profissionais da área da saúde e reitera a autonomia destes profissionais no cenário pandêmico da covid-19.


Fonte: Anadem - Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética - 2021 - Todos os direitos reservados.


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