Ausência de Erro em Cirurgia Plástica Pós-Operatória

Vitórias na Jurisprudência Médica: A Decisiva Confirmação da Ausência de Erro em Cirurgia Plástica Pós-Operatória

A esfera da responsabilidade civil médica é um campo complexo e desafiador, onde a busca pela justiça se entrelaça com a avaliação técnica e científica de procedimentos e suas intercorrências. Em um cenário jurídico que frequentemente confronta profissionais de saúde com alegações de falha, a recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) em favor de um cirurgião plástico, cliente da Anadem, ressoa como um precedente esclarecedor e uma vitória significativa para a classe médica. O caso, iniciado em 2022, teve sua improcedência confirmada em segunda instância, reforçando a fundamental distinção entre complicação previsível e erro médico.

O Contexto da Demanda e as Alegações Iniciais

A controvérsia jurídica emergiu de um procedimento de miniabdominoplastia com lipoaspiração, onde a paciente, no período pós-operatório, desenvolveu infecção e necrose na região operada. Inevitavelmente, tal desfecho levou à atribuição de responsabilidade técnica ao cirurgião e à instituição hospitalar. Este tipo de situação, embora lamentável, é um dos mais comuns no litígio médico, onde a ocorrência de um resultado adverso é, por vezes, interpretada como evidência de conduta negligente, imprudente ou imperita.

Contudo, no Direito Médico brasileiro, é crucial compreender que a responsabilidade do profissional de saúde, notadamente em cirurgias plásticas eletivas e reparadoras, é, via de regra, uma obrigação de meio, e não de resultado. Isso significa que o médico se compromete a empregar toda a sua técnica, ciência e diligência para alcançar o melhor resultado possível, mas não pode garantir um resultado específico. A exceção à regra, que impõe uma obrigação de resultado, é restrita a cirurgias estéticas onde o prometido é um resultado meramente embelezador, mas mesmo nessas, fatores inerentes ao organismo do paciente ou a eventos fortuitos podem afastar a responsabilidade.

Ainda em primeira instância, o juízo já havia proferido sentença de total improcedência da ação, concluindo pela ausência de erro médico. Inconformada com a decisão, a paciente interpôs recurso, buscando a reforma da sentença.

A Perícia Técnica como Pilar da Verdade Real

O ponto fulcral da confirmação da improcedência em segunda instância residiu na robustez da prova pericial. Em ações de responsabilidade médica, a perícia técnica é o instrumento mais vital para o deslinde da controvérsia, pois cabe ao perito — um profissional técnico e imparcial — analisar os fatos à luz da boa prática médica e da literatura científica. Neste caso, o laudo pericial foi minucioso e determinante.

A análise técnica revelou que a infecção e a necrose, embora graves, não estavam vinculadas a uma falha na conduta do cirurgião ou à infraestrutura hospitalar. Especificamente, o perito apontou que a bactéria identificada (Burkholderia cepacia) é comum em ambientes domésticos e tem a capacidade de colonizar feridas abertas em um momento posterior ao procedimento cirúrgico. Este achado é de suma importância, pois descaracteriza a premissa de uma infecção hospitalar (nosocomial), que, via de regra, se manifesta em um período de incubação mais precoce. O laudo ainda asseverou que todos os materiais utilizados na cirurgia estavam devidamente esterilizados e dentro dos prazos de validade, atestando a conformidade com os protocolos de segurança e assepsia.

Adicionalmente, a análise pericial sobre a necrose foi igualmente esclarecedora. Conforme detalhado pela Anadem, a paciente possuía histórico de cirurgias abdominais prévias, um fator que, por si só, já representa um risco considerável para a vascularização da região e, consequentemente, aumenta a predisposição à necrose de retalho cutâneo. Fatores individuais e a resposta idiossincrática do organismo da paciente também foram ponderados, reforçando a natureza multifatorial das intercorrências em procedimentos cirúrgicos complexos.

A Ausência de Nexo Causal: Pedra Angular da Imputação de Responsabilidade

A conclusão do Tribunal, tanto em primeira quanto em segunda instância, foi inequívoca: não existiu nexo causal. Este é um conceito jurídico de extrema relevância no direito civil e, particularmente, no direito médico. Para que haja a responsabilização civil de um médico ou hospital, é imprescindível que se demonstre um vínculo direto e indissociável entre a conduta (ação ou omissão) do profissional e o dano sofrido pelo paciente. Em outras palavras, é preciso provar que o dano foi uma consequência direta e necessária de uma falha na atuação médica.

Neste caso, a perícia afastou categoricamente a existência desse nexo. Ao demonstrar que a infecção tinha origem extra-hospitalar e que a necrose poderia ser explicada por fatores pré-existentes da paciente e sua resposta orgânica, a ligação entre o procedimento cirúrgico e as intercorrências apresentadas, como resultado de uma conduta equivocada do médico, foi quebrada. A ausência de provas de erro médico, portanto, tornou a apelação da paciente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão original.

Implicações e Reflexões para o Direito Médico e a Prática Profissional

A manutenção da sentença original pelo TJRO e o incremento dos honorários de sucumbência para a paciente – de 10% para 12% do valor da causa – não são meros detalhes processuais. Representam um reconhecimento da litigância improcedente e um incentivo à reflexão sobre a real base das demandas. A decisão sublinha a importância de:

  1. Documentação Rigorosa: A manutenção de prontuários completos e detalhados é uma defesa primária do médico.
  2. Consentimento Informado: A comunicação clara e exaustiva sobre riscos, benefícios e alternativas do procedimento, incluindo a possibilidade de intercorrências, é fundamental para o consentimento informado e esclarecido.
  3. Defesa Jurídica Especializada: A atuação de escritórios de advocacia especializados em direito médico, como o que representou o cirurgião cliente da Anadem, é crucial para desmistificar alegações e apresentar a defesa técnica necessária.
  4. Valorização da Perícia Judicial: A decisão reitera a indispensabilidade da prova pericial como baluarte da verdade nos processos envolvendo suposto erro médico, afastando interpretações leigas ou sensacionalistas.

Este desfecho favorável serve como um lembrete valioso de que a medicina é uma ciência e uma arte complexas, e nem todo resultado adverso é sinônimo de falha profissional. A justiça, neste caso, baseou-se na análise técnica e na inexistência de um nexo causal entre a conduta médica e as complicações, garantindo a proteção de um profissional que atuou em conformidade com os preceitos da boa prática médica. Para todos os profissionais de saúde, esta sentença reforça a confiança na proteção jurídica quando a conduta é pautada pela ética e pela ciência.


Autor

Picture of Cassiano Oliveira

Cassiano Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *