No ambiente da saúde, uma dúvida frequente é: “o paciente pode recusar tratamento médico, mesmo correndo riscos?” Com a experiência prática e a análise dos principais dispositivos legais, observo que essa pergunta aparece diariamente nos consultórios e hospitais. Neste artigo, vou mostrar de maneira direta e detalhada o que a legislação permite, os riscos envolvidos e como é possível registrar adequadamente a recusa para proteger tanto médico quanto paciente.
O que significa recusar tratamento e por que isso acontece?
Eu já acompanhei, em consultorias e audiências, situações em que pacientes tomam a decisão de não seguir recomendações médicas, recusando exames, internação, cirurgias ou até mesmo a continuidade de tratamentos imprescindíveis. O motivo quase sempre varia, seja por medo de efeitos colaterais, crenças pessoais, custos, traumas, religião ou experiência prévia negativa.
Nenhum paciente é obrigado a aceitar tratamento médico, por mais grave que seja sua condição. Essa garantia está prevista tanto na legislação brasileira quanto no Código de Ética Médica. A única restrição clara é quando a recusa pode provocar dano a terceiros, como em doenças infectocontagiosas.
A liberdade terapêutica é um direito do paciente.
Conforme estudo publicado na Revista da AGU, a recusa consciente é resultado de autonomia e não de irresponsabilidade. O paciente adulto, lúcido e orientado, pode determinar o que deseja, e o que não deseja.
Base legal e ética: o que a lei determina?
Em minha atuação junto a médicos, sempre reforço a relevância de conhecer os marcos legais e éticos. O artigo 15 do Código Civil determina que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. No Código de Ética Médica, o direito à recusa também é claro, destacando o respeito à vontade do paciente.
- Autonomia do paciente: O próprio corpo é tutelado por sua vontade, salvo risco a terceiros.
- Obrigação de informar: Cabe ao médico esclarecer, de maneira compreensível, benefícios, riscos e consequências.
- Vedação ao constrangimento: Forçar ou coagir o paciente é antiético e ilegal.
Destaco que essas premissas são válidas mesmo diante de recomendações clínicas reconhecidamente corretas. A legislação serve de baliza também quando, por exemplo, algum colega do setor hospitalar discorda da decisão do paciente: a prioridade é sempre pelo respeito.
O dever do médico: informar e dialogar
Em minha experiência com casos judiciais e sindicâncias, percebo um padrão: dúvidas e litígios surgem principalmente quando não houve diálogo suficiente ou não se documentou adequadamente a recusa.
Antes de registrar qualquer decisão, o médico tem que esclarecer, de modo direto e paciente, todos os pontos relevantes:
- Quais são os riscos da recusa?
- O que pode acontecer caso a decisão seja mantida?
- Existem alternativas viáveis?
- O paciente compreendeu mesmo os riscos?
No consultório vejo frequentemente situações em que o paciente pede: “Doutor, se eu não tomar este remédio, posso piorar mesmo?” E cabe ao profissional explicar com calma, ouvir questionamentos e, se possível, envolver familiares ou responsáveis para garantir que não houve mal-entendido.
Como registrar corretamente a recusa médica?
Já testemunhei casos em que a ausência desse documento levou a discussões judiciais desnecessárias. Sempre oriento: registro detalhado previne conflitos e é uma proteção legítima.
O registro da recusa deve ser feito de maneira detalhada, clara e datada, contendo:
- Nome completo do paciente
- Data e hora da recusa
- Relato dos riscos e orientações fornecidas
- Descrição da decisão do paciente
- Assinatura do paciente (preferencial) ou justificativa para a ausência
- Assinatura do médico
Em casos de internação, procedimentos invasivos, cirurgias ou situações de risco à vida, o termo assinado é ainda mais recomendável. Se o paciente se recusar a assinar, oriento registrar isso detalhadamente no prontuário, explicando os motivos e, se possível, contando com a assinatura de testemunhas.
Sem registro, não há segurança para ninguém.
Exemplo prático: paciente recusa cirurgia de emergência
Tenho acompanhado casos em que, por receio ou por crença, um paciente recusa uma cirurgia vital. Em uma dessas ocasiões, uma mulher chegou ao pronto-socorro com apendicite aguda. O cirurgião explicou repetidas vezes os riscos: perfuração, infecção generalizada, óbito. Mesmo assim, a paciente manteve a negativa.
Como deve agir o profissional?
- Dialoga abertamente, relata os riscos com clareza e tira dúvidas.
- Oferece alternativas, mesmo que limitadas.
- Solicita assinatura em termo de recusa, incluindo a data, o conteúdo da explicação, a negativa e as perguntas respondidas.
- Registra tudo no prontuário, inclusive o motivo da recusa à assinatura (se for o caso).
- Se possível, inclui a assinatura de uma testemunha.
Este método assegura transparência, respeito e proteção para todos os envolvidos. Quem já enfrentou processos judiciais por complicações nesse tipo de contexto sabe como o documento faz toda a diferença.
Pacientes incapazes: como proceder?
O tema se torna ainda mais delicado quando não há plena capacidade de decisão. Crianças, idosos dependentes, pessoas sob efeito de medicação sedativa ou inconscientes não possuem autonomia reconhecida.
- Nestes casos, a recusa cabe ao responsável legal, pais, tutores ou curadores.
- Se o responsável se nega, aplica-se o mesmo processo: explicar, registrar e solicitar assinatura.
- Se não há família, o médico descreve toda a situação minuciosamente no prontuário, inclusive os riscos, alternativas e a ausência de responsável.
Quando a recusa ocorre em uma emergência, e a demora pode trazer danos graves ou morte, já vi médicos realizarem o procedimento por imperativo legal, sempre documentando cada passo. O objetivo é preservar a vida, respeitando ao máximo a normativa ética.
Proteção de profissionais: responsabilidade civil e segurança jurídica
Muitas vezes, a recusa do paciente gera angústia e receio nos profissionais. O medo de processos judiciais ou sindicâncias é legítimo. Segundo o estudo publicado na Revista de Direito Sanitário da USP, a contratação de seguros de responsabilidade civil médica ainda é baixa no Brasil, o que aumenta a necessidade da prevenção por meios documentais.
O registro da recusa é uma das principais formas de proteção profissional. Caso haja questionamentos futuros, o documento comprova que o médico agiu corretamente, baseou-se em evidências e respeitou a decisão do paciente.
Eu costumo orientar colegas médicos que o registro claro é como um “escudo” jurídico: protege o médico, a clínica e o próprio paciente, ajudando a evitar discussões e interpretações equivocadas.
Prevenção de conflitos: o papel da comunicação efetiva
Nas consultorias que realizo em clínicas de diversas regiões do país, identifiquei que a origem da maioria dos conflitos não é a recusa em si, mas a forma com que ela é conduzida. Uma comunicação direta, empática e sem julgamento faz toda a diferença para que paciente e médico sigam em paz, mesmo diante de escolhas difíceis.
Relatos de pesquisas do Datafolha mostram altos índices de insatisfação com o sistema de saúde, especialmente quanto ao tempo de espera e acesso a informações. Uma abordagem acolhedora contribui para aumentar o entendimento do paciente sobre suas opções e minimiza conflitos, inclusive judiciais.
Respeito e diálogo são a base de toda decisão segura na saúde.
Aspectos práticos em diferentes contextos
Em minha rotina, vejo frequentemente recusas em três cenários comuns:
- Negativa de uso de ambulância para transferência hospitalar
- Recusa de medicamentos com efeito colateral indesejado
- Rejeição a procedimentos cirúrgicos ou internações
O que varia entre eles é o tipo de risco envolvido e o detalhamento exigido. Em todos, o processo recomendado permanece:
- Informar riscos, dúvidas e alternativas
- Registrar por escrito, detalhadamente
- Buscar assinatura do paciente ou responsável
- Em caso de negativa à assinatura, justificar e colher testemunhas, se possível
É esse protocolo que permite ao profissional atuar com segurança.
Casos especiais: risco coletivo e saúde pública
Um dos poucos limites ao direito de recusa do paciente ocorre quando sua escolha pode afetar terceiros, por exemplo, em doenças transmissíveis. Nessa situação, o dever ético e legal de proteger a coletividade prevalece.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, do IBGE, cerca de 76,2% da população brasileira consultou um médico nos últimos 12 meses. O volume de atendimentos evidencia a importância de protocolos claros de conduta diante de situações de recusa.
Nesse contexto, a recusa pode ser impedida ou restringida, sempre priorizando a saúde coletiva, mas mantendo o paciente bem informado e respeitado durante o processo.
O que nunca pode acontecer: constrangimento ou imposição pela força
Fico especialmente atento quando percebo questões de imposição. Nenhum profissional de saúde pode obrigar o paciente, sob nenhuma hipótese, a aceitar tratamento por força física, psicológica, chantagem ou exposição. Tal conduta é ilegal e antiética.
Respeitar a decisão, mesmo quando se discorda, é sinal de maturidade profissional e compromisso com o direito à autonomia, como reafirmam os principais estudos bioéticos e as diretrizes legais.
Conclusão: a recusa como parte da jornada do cuidado
Ao longo desses anos atuando com consultoria em direito da saúde, aprendi que respeitar a recusa do paciente também é cuidar. Garante-se, assim, segurança jurídica e, principalmente, a dignidade do paciente. Aplicando um processo transparente de diálogo e bom registro, tanto médico quanto paciente acabam protegidos.
Se você é profissional da saúde e deseja atuar com mais tranquilidade diante de recusas médicas, conheça as soluções personalizadas que ofereço em blindagem jurídica, orientação ética e prevenção de litígios. Estou à disposição para ajudar sua carreira e sua instituição a navegar por situações complexas de forma segura e ética.
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Perguntas frequentes
O que é recusa de tratamento médico?
Recusa de tratamento médico ocorre quando o paciente, mesmo orientado sobre sua situação clínica e os riscos envolvidos, decide não aceitar um procedimento, medicamento, internação ou cirurgia recomendados pelo profissional de saúde. Essa decisão faz parte do direito à autonomia do paciente, previsto por lei e pelo Código de Ética Médica, e deve ser respeitada desde que não prejudique terceiros.
Como registrar corretamente a recusa médica?
O registro deve ser feito por escrito, descrevendo detalhadamente a orientação dada ao paciente, os riscos apresentados, as perguntas feitas e a decisão tomada. É importante incluir a data, condições clínicas, assinatura do paciente (se possível) e do médico. Caso o paciente se recuse a assinar, o motivo deverá ser registrado, podendo ser incluída a assinatura de uma testemunha. Essa documentação deve ser mantida no prontuário do paciente.
Quais são os riscos da recusa médica?
Ao recusar um tratamento, o paciente pode colocar sua saúde em maior risco, piorando o quadro ou perdendo oportunidades de melhora e prevenção de complicações. Para o médico, a falta de registro adequado abre possibilidade de questionamentos éticos e judiciais. Por isso, o processo de orientação e documentação é fundamental para minimizar riscos de ambas as partes.
Quais direitos o paciente tem ao recusar?
O paciente tem direito de recusar qualquer tratamento, internação, cirurgia ou exame, desde que entenda claramente os riscos da sua decisão e sua escolha não represente perigo para terceiros. Esse direito é assegurado por lei, desde que o paciente seja capaz, e não pode ser desrespeitado pelo profissional de saúde.
Preciso assinar um termo para recusar?
Não é obrigatório assinar um termo, mas a assinatura formaliza a recusa e traz maior segurança a todos. Caso o paciente não queira assinar, o médico deve registrar a recusa e o motivo no prontuário, podendo usar uma testemunha para reforçar a validade do documento. O mais importante é garantir que o registro reflita o diálogo franco sobre riscos, alternativas e dúvidas esclarecidas.
O dever do médico: informar e dialogar
Exemplo prático: paciente recusa cirurgia de emergência